quinta-feira, 1 de julho de 2010

A mãe de UTI

Seguramente uma das minorias mais negligenciadas da história dos serviços de saúde no mundo inteiro através dos séculos.

A mãe de UTI.

A que gerou um filho e viu-se forçada a entregar compulsoriamente seu bebe para estranhos que se autodenominaram cuidadores, que desenvolveram as próprias regras deste cuidado e que afastaram intencionalmente a mãe do processo de cura como se ela fosse um objeto desprezível e dispensável.

A mãe de UTI.

Para as outras minorias do planeta muitos movimentos e muitas mobilizações se articulam em sua defesa.

Os negros tem seu próprio movimento.

Os homossexuais suas manifestações de orgulho.

Os índios suas fundações nacionais.

Os cegos seus institutos.

Os quilombolas, os assentados, os sem terra...

Parece que para cada canto de terra habitada onde existe uma minoria social ou de credos ou de modus vivendi foi criado um movimento de defesa dessa minoria...

A mãe de UTI não.

Sequer os tratados de neonatologia se recordam dela.

Da sua dor.

Da sua dificuldade de deambular.

Da tormenta que confunde seu coração com o tecnicismo da informação medica sobre a saúde e os cuidados oferecidos a seu filho internado.

Como as outras minorias da história da vida, a mãe de UTI não tem possibilidade de se juntar às outras mães de UTI para discutir e defender seus direitos e suas necessidades de atenção e acolhimento.

Está fraca.

Está sem seu filho.

Está esmagada sob normas rigidas ditadas ditatorialmente pelo trator cuidador.

Esta exilada dentro de seu próprio coração.

O mundo em volta não a pertence.

Transferiu sua vida para a vida de seu filho numa transfusão sem comparativos na história do sentimento humano.

A mãe de UTI.

Ignorada pelos livros de medicina.

Negligenciada por grande parte dos profissionais de saúde.

Esquecida de quase todos.

Em Campos, minha cidade, 20% das gravidas são adolescentes.

10% são mães de bebes prematuros.

Quantas são as mães de UTI de minha cidade?

Quantas são as mães de UTI do Brasil?

E do mundo?

Quantas andam que distancia, durante quanto tempo, com que freqüência e sob que condições físicas e alimentares para estarem (por quanto tempo) com seu filho?

Quem é capaz de medir sua dor quando não há saturimetro para a dor materna?

Quem é capaz de dosar o seu medo quando não há densínometro para o temor materno?

E quem se importa com isso?

Quem cuida dela?

Quem dá à lagrima da mãe ou ao aperto em seu coração a mesma importância que dá à queda acentuada e súbita do hematócrito do bebe?

Que profissional tem aprendido a dar um abraço com a mesma presteza e eficiência que aprendeu a prescrever um fármaco?

Porque se desrespeita tanto o coração de uma mãe de UTI?

Quem se mobiliza por um cantinho para acolhe-la e cuidar dela?

Uma grande mãe canguru para acolher mães de UTI em seu colo e alimenta-las com as mesmas doses de amor, calor e leite materno que curam seus filhos da dor e do isolamento e os preparam para a vida?

É necessário proteger essa mãe.

Essa minoria negligenciada é necessário que seja cuidada com respeito e carinho.

É fundamental que pipoquem Leis do Prematuro pelo país afora da mesma forma como ela já está quase nascendo em minha cidade de Campos.

É necessário que sejam criadas Casas de Apoio às Mães de UTI pelo Brasil afora.

É necessário pensar essas mães.

Retira-las do isolamento para onde a tecnocracia as exilou.

Traze-las para a vida.

Cuidar delas.

Abraça-las.

Porque se o coração de uma mãe é capaz de amar integralmente seu filho, o coração de uma mãe de UTI é repouso para a humanidade inteira.

Com carinho
Luis Tavares.

Pediatra.
Campos dos Goytacazes, RJ.

16 comentários:

  1. Fantástico, Dr. André!
    Me aperta o coração essa situação de desamparo, mas tenho esperança de que a iniciativa desse pediatra em escrever esse texto tão delicado e a sua em divulgá-lo chame a atenção das pessoas (todos nós) que podem fazer algo para mudar essa realidade.
    Parabéns!

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  2. Obrigado, Christiane. Se você também se deixar encantar pela Declaração de Direitos do Bebê Prematuro e achar que seus princípios de respeito ao ser humano prematuro deve permear sua assistência a uma eventual mãe prematura... por que não considerar ser signatária da Declaração??

    Clique ali em profissionais.

    Um abraço.

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  3. Como mãe da Lara, nascida com apenas 26 semanas, prematuridade extrema, 64 dias entre a vida e a morte, mas hoje perfeita e saudável, me emociono imensamente com o que estou lendo aqui. É de uma sensibilidade, inteligência e afeto, sem tamanho. Em outra oportunidade pretendo escrever mais. Nesse momento só quero agradecer ao Dr. André, Dr. Luis e todas as pessoas que se preocupam e se importam com o assunto em questão.
    Divulguei ao máximo de pessoas que pude, através de convites. Afinal, se cada um fizer um pouquinho, não tenho dúvidas de que a dor de tantas pessoas será amenizada. Vamos acolher e apoiar a Declaração Universal de Direitos do Prematuro. Abraços cheios de gratidão a Deus, a vida, a Lara por ter sido tão corajosa, a todas as pessoas que estiveram presente no momento de tanta dor e hoje continuam presenciando a prova de que o AMOR, a fé e o cuidado superam todo o sofrimento. Lilah

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  4. Larah,

    Vocë é a primeira mãe prematura que responde aos nossos apelos.

    Fico emocionado com isso, porque no final de contas é para pessoas como a Lilah que fizemos todo este esforço.

    Aguardo mais notícias suas e de seus amigos. Um dia, se vocë tiver disposiçãO e coragem, escrava-nos um relato, compartilhe conosco sua história para que possamos compartilhar com outras famílias prematuras que talvez estejam sofrendo precisando conhecer outras pessoas que passaram (e talvez tenham vencido) a prematuridade.

    Um abraço.

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  5. Fiquei emocionada, porque cada palavra escrita soube descrever cada sentimento, cada segundo passado por esta mãe de UTI, que não teve resguardo, afinal tinha um pequeno ser precisando de mim, ainda não me organizei, não tive nem tempo para isso, mas vou espalhar aos quatro cantos sua mensagem e que sabe daí o inicio para um movimento a favor das mães de UTI...
    Grata pela sensibilidade e atenção a um assunto esquecido....
    Tatiana

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  6. Olá Dr. André
    Meu filho, Giovanni, bebê de 47 dias, está na UTI neonatal de um renomado hospital daqui de Santo
    André - SP. Ele nasceu de 28 semanas (bolsa-rota) e fez uma cirurgia de emergencia, pois teve diverticulite. Teve septcemia, entre mil outros problemas, hoje sofre de refluxo e anemia severa. Obrigada pelas palavras, na qual somente nós, mães, sabemos o valor, pois a sociedade nos trata como se fossemos parideras e como se o sentimeno bastasse apenas pelo fato de ter o "filho ainda vivo"... Divulgarei a todas a quem conheço e o parabenizo por tamanha iniciativa...
    Mais uma vez obrigada!!! Camila

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  7. Olá Dr.André
    Sou mais uma,entre tantas mães que de uma hora para outra, se vê diante da notícia devastadora de que seu bebê que acabara de nascer,e que vc esperou ansiosamente para ter em seus braços, será levado para uma UTI neonatal.
    Minha Sophia nasceu com 35 semanas 2,230Kg e 44,5cm e passou 15 dias na UTI, (pouco até perto de outros casos que pude acompanhar),não somos preparadas para isso e dentro de nossos corações temos um misto de dor, culpa (o que será que fiz de errado?)medo e tantos outros sentimentos.Vivi momentos que hj não sei como tive forças para suportar, e o pior deles vem qndo vc recebe alta e tem de voltar para casa sem seu filho.Me emocionei profundamente com suas palavras,e divulgarei com a todas as mães q como eu passaram e passam por isso.Obrigada e parabéns por sua iniciativa, é de pessoas e profissionais como você, (que se preoculpa com "o ser", quando a maioria se preoculpa apenas com "o ter") que o mundo precisa!!!

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  8. Tatiana, obrigado por se deixar tocar. Spread the world. As maiores beneficiadas são as famílias prematuras.

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  9. Camila,

    Espero ter notícias de vocês. Ainda precisamos de histórias prematuras! Conte a sua. Eu publico aqui.

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  10. Renata,

    Obrigado pelos elogios, sou apenas um divulgador. O autor desses textos maravilhosos é o doutor Luis Mussa Tavares, autor inclusive da Declaração de Direitos Universais do Bebê Prematuro.

    Eu apenas tenho o prazer de passar adiante.

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  11. Olá.... sou uma mãe de UTI, infelizmente minha filhinha faleceu três dias após seu nascimento... mas na verdade vim aqui para agradecer a forma como vocês veêm a mãe que tem seu mais precioso bem entregue para que estranhos cuidem e o mantenham vivo.
    Sou assistente social em um hospital em que as mães de uti podem ficar o dia inteiro com seus filhos e possuimos uma casa de apoio para elas descansarem.

    Bem, mais tarde retorno para contar mais detalhes.

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  12. O pior dia da minha vida
    Uma semana após ter sido internada no hospital da mulher (unidade de saúde do SUS), para tentar controlar o nível de infecção em que me encontrava (por ter tido a bolsa rompida, ainda estando com 22 semanas de gestação); eu entrei em trabalho de parto na madrugada do dia 16/12/2011.
    Fui encaminhada ao CO (local onde são realizados os partos) para ser acompanhada de perto pela equipe medica. A dor era tanta e tamanha que eu só implorava a Deus que a fizesse sessar.
    E três horas após eu tive minha bebe sozinha e Deus sobre os olhos apenas de uma paciente que estava no leito ao lado.
    Chamei as enfermeiras, avisando que minha filha havia nascido!
    _ “a imagem da minha filha na beira da cama de barriga para cima com o coração nitidamente batendo! Me dilacera”.
    Foram instantes angustiantes, pois eu sequer sabia se tinha sido ouvida.
    Duas moças entraram na sala, uma delas levou minha filha e a outra da porta me perguntou se eu queria vê-la, disse que seu coração estava batendo fraquinho, e em seguida olhando para direção que minha filha estava disse: parou!
    Eu sangrava tanto que ate transbordava pelas laterais da cama, sem comentar os enormes coágulos de sangue que estavam sobre a cama “parecia um filme de terror, e foi!”
    Durante 22 semanas sophie (minha filha) foi minha razão ate de respirar e perde-la me mutilou.
    A dor física não passou, e cansada de esperar o medico ( qual eu sequer sei o rosto) apertei o pé da barriga e expulsei a placenta.
    Me foram feitas promessas: de que minha filha teria socorro, e que ninguém ficaria de braços cruzados com uma vida nas mãos.
    E eu lógico que acreditei!
    Mas ninguém se importou com a minha vida e da minha filha!
    Eu lutei me superei e me doei, tanto, mas tanto... Que era claro a qualquer ser que tivesse olhos!
    Uma bebe de 22 semanas ate pode ser considerada inviável... Mas enquanto houver vida algo deveria ser feito.
    Eu peço socorro! Não pela minha filha que já se foi, ou por mim que nem sei se vou ter outro bebê um dia!
    Mas para que os sonhos e desejos de outras mulheres não sejam destruídos e dilacerados como foram os meus!
    Eu tenho um companheiro há sete anos “ entre namoro, noivado e casamento” e não sei o que esperar do futuro... Já que estávamos na fase de aumentar a família e fomos podados de forma brutal.
    Eu espero em Deus, que delete da minha memória, aqueles momentos, e que me faça forte suficiente para superá-los

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  13. eu sei que sophie esta nos braços de DEUS!!! mas sua falta, sua partida! doi de tal maneira que nem cabe em mim...
    nao sei se um dia vou superar nao tÊla ao meu lado; mas é certo que jamais esquecerei a imagem dela sobre a cama com o coraçao notoriamente batendo!
    nao entendo como um ser humano pode ser tao monstruoso?

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  14. Linda Matéria,
    sou do Rio GRande do Sul e meu bebe nasceu com 675 gramas, ficando 110 dias na UTI. e com ceretza deveria ser dado mais atençao a estas maes e seus direitos, inclusive de uma liceá maternidade diferenciada

    Marcia Wames

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  15. Dayse, Sua história é triste, muito triste. Fique com o nosso pesar também. Você está certa. É preciso socorro, é preciso consolo, é preciso apoio, é preciso importar-se mais.

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  16. Márcia,

    Parabéns pela filhinha, parabéns pela luta e pelo empenho.

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