quarta-feira, 28 de julho de 2010

30 dias

Nesses trinta dias de blog, caminhamos com passos de formiga mas com muita vontade (o Lulu que me desculpe pelo plágio). Conseguimos uma mínima divulgação, mas é claro que isso já é muito melhor do que antes.

Não sei criar campanhas virais nem fazer publicidade. Mas gostaria de conclamar os (já!) 12 profissionais, os 5 sites parceiros, os 18 leitores-assinantes deste pequeno site e todos os outros que passam por aqui para divulgar esta Declaração. Se ela for levada a sério, como postura profissional e ética dos envolvidos com o cuidado do bebê prematuro (e por que não falar da família prematura?), podemos ter menos sequelas, mais respeito e melhor resultado social.

Coloquem links nos seus sites, nos seus e-mails. Não deixe de contactar seus amigos e inimigos. Vamos nos envolver.

Um abraço, Andre.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Minha história prematura - II

Na verdade, minha história é uma história quase-premautra.

Em 2007, minha esposa estava no segundo trimestre de gravidez de nosso terceiro filho. Numa tarde em que eu estava de plantão em uma UTI-neonatal, eu recebi uma ligação dela dizendo que estava na casa de uma prima  e que quando se levantou do sofá, havia uma enorme mancha de sangue no estofado.

Em 2 segundos meu coração gelou. Uma rápida sensação de falta de ar e uma necessidade imediata de por a cabeça em ordem. O que fazer? "Tô indo praí!" Sem me preocupar muito em ser muito claro, falei para minha chefe que passava visita comigo nos recém-nascidos (dentre eles muitos prematuros) e disse qualquer coisa, enquanto pegava minhas coisas e corria para o carro. Fiz em menos de quinze minutos meu trajeto de Duque de Caxias até a Ilha do Governador, sem sequer saber exatamente se eu como eu estava dirigindo.

Eu sabia bem o que era um prematuro! Eu os via 3 dias por semana. Eu via seu pequeno tamanho. Alguns cabiam literalmente inteiros numa de minhas mãos. Alguns eram furados por agulhas, por minhas mãos. Alguns eram entubados pelas minhas mãos. Alguns eram incomodados, examinados, mexidos, pelas minhas mãos. Eu decidia muito sobre sua sobrevida, sua vida e sua qualidade de vida, enquanto eles estavam em incubadoras de acrílico. Eu falava com seus pais, eu comunicava suas limitações e sucessos. Eu comunicava seus óbitos. Não dava para pensar no meu filho cortado, furado, entubado. Aquilo era muito diário para mim. Não dava para imaginar tudo aquilo no meu próprio filho! Em algum momento do trajeto, eu me lembrei que meu filho não nasceria prematuro. Ele nem seria considerado um prematuro. Ele seria tecnicamente um... aborto. Daí pra frente, parei de pensar.

Cheguei à casa da Pati e vi minha esposa sentada sobre uma poça de sangue. Não sabia o que dizer, o que deveria dizer. No hospital, feita a ultrassonografia, descobrimos que o bebê estava bem, mas que havia um imenso lago de sangue entre a placenta e a parede do útero da minha esposa. Em princípio fiquei feliz por saber que aquele sangue todo não era dele, mas da minha esposa, e que ele estava bem. A ultrassonografista foi muito clara em dizer que se o sangramento não parasse, que meu filho seria espelido e minha esposa corria risco de ter uma hemorragia grave. E então o que fazemos para parar o sangramento?, perguntei nem me lembrando que eu havia feito uma faculdade de medicina e deveria saber a resposta. Esperamos, disse e só.

Depois de vinte e quantro horas de repouso hospitalar, e outro ultrassom, fomos para casa. Num resguardo prematuro, minha filha de apenas 1 ano e alguns meses, perdeu prematuramente o colo da mãe (que não podia pegar peso). Meu filho de 4 anos e poucos meses, prematuramente esperava pelo nascimento do irmão, pela liberação da mãe e que a irmã parasse de chorar estridentemente um choro de colo. Prematuramente, eu pensava num filho que poderia sair de sua "bolsa das águas" e que, apesar de desejá-lo, não o queria agora. Prematuramente, minha esposa estava entre perder ou manter um filho. No meu trabalho, cada prematuro em que eu tocava, me sentia inadequado e impreciso. Foram meses difíceis.

Os dias passaram, o sangramento não voltou. As próximas imagens mostraram que a extensão do descolamento da placenta do meu filho diminuiu. O resguardo foi ficando cada vez mais leve. Ele foi deixando de ser aborto, para prematuro extremo, prematuro leve, e então bebê a termo. Nasceu em janeiro do ano seguinte, o Vitor Céu, muito bem, obrigado.

As consequencias de toda aquela prematuridade anunciada, ficaram por algum tempo. A filha perdeu o colo muito cedo, e levou tempo para se recuperar. O mais velho, estava ansioso e teve, como a irmã, que se fiar nas avós e na empregada para brincar, cuidar e descer. Minha esposa, ao voltar para o emprego, descobriu que no processo sua empresa havia sido vendida, e ela não ia com a empresa. Não teve direitos trabalhistas respeitados, e três advogados amarelaram em iniciar um processo trabalhista. Eu nunca mais consegui ser muito objetivo no meu relacionamento com os pais dos prematuros. Ninguém nunca mais foi o mesmo.

Essa não é a história de um prematuro, mas de uma prematuridade. Ficamos todos torcendo para ele ser pelo menos prematuro. Quando ele já podia ser um prematuro, torcemos para ele ser um bebê a termo. Diante de todas as piores imagens de prematuridades sofridas e de insucesso que minha mente médica podia pintar, agradeço a Deus que tenha deixado esse cálice passar de nós. Agradeceria talvez em qualquer situação. Mas foi essa a que nos coube e fico feliz.

Um abraço, Andre Bressan.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Minha história prematura - I

Essa declaração é fantástica. Desde que conheci o site ficou claro para mim que eu gostaria de contribuir, mas queria pesquisar mais sobre como foi comigo, o que ainda não fiz. Sensível ao seu apelo, deixo o meu relato, pelo que me lembro das histórias que ouvi, na esperança que ele possa auxiliar as pessoas que
lêem sobre isso ou que estão nessa situação.

A minha história como recém-nascida foi assim...

Eu fui concebida no início do casamento dos meus pais. Eles eram jovens e minha mãe estava terminando a faculdade na época. Ela comenta que a vida era corrida e que passava muito mal durante toda a gravidez, com muitos enjoos e ameaças de aborto, e nem sempre os professores eram tolerantes e compreensivos, assim como os chefes.

Eu nasci prematura, numa cezárea, aos 7 meses. Fiquei um mês no hospital, na incubadora, para a angústia dos meus pais e familiares. Todos se mobilizaram muito, já que eu era pequena e frágil. Certamente não era isso o que a minha mãe esperava para ela como mãe e para mim como filha e ela sofreu muito para lidar com essa situação. Ela teve depressão pós parto, mas pôde contar com a sensibilidade da ginecologista, que indicou uma psicóloga que foi algumas vezes à casa dela, uma vez que ela estava se recuperando do parto. Quando eu saí do hospital, minha mãe dizia que tinha muito medo de cuidar de mim, de não conseguir, por me achar tão frágil. Sempre que me olhava, chorava. Havia uma culpa por não conseguir me amamentar (pois o leite tinha secado) e também uma rejeição, que dificultava as coisas. Não que a minha mãe não me amasse, ela rejeitava aquilo que estava acontecendo, não a mim, mas na depressão as emoções ficam muito
misturadas.

Deus nos dá o maior auxílio, mas tivemos a sorte de contar com uma boa equipe de saúde e a receptividade da família. A ginecologista da minha mãe foi muito cuidadosa e tornou-se depois sua amiga íntima e o Dr. Jácomo, meu pediatra, é até hoje uma pessoa idolatrada por nós, por toda a sua paciência, escuta e apoio durante esse momento e toda a nossa infância e adolescência.

A minha família foi muito importante, pelo apoio à minha mãe e ao meu pai e pelas atitudes efetivas de comprometimento. Uma tia enfermeira ajudava a minha mãe a me dar banho; meu padrinho me levava para ser amamentada pelas amas-de-leite à noite, embaixo de sol ou de chuva, como fosse (isso é até uma certa lenda na família, ele conta orgulhosíssimo até hoje, para quem quiser ouvir, como eu mamava satisfeita!); meu pai foi bastante participativo e ia buscar leite com as amigas da minha mãe, ou amigas das amigas, e deu também sua camisa preferida para fazerem uma roupinha para mim (era uma simpatia); minhas avós ajudaram muito, cuidando de mim; minha avó materna fez um travesseirão de penas de ganso, onde eu dormia tipo sanduíche dentro dele, dobrado ao meio, para que me mantivesse aquecida, na cama dos meus pais, que passavam a noite controlando a minha respiração, com medo de algo ruim me acontecer. Minha madrinha, minhas tias e tios também ajudaram muito, se revezando nos cuidados e nos carinhos. Esses mimos todos (sim, confesso que fui muito mimada - e ainda sou) certamente me ajudaram e ajudaram a minha família a superar esse momento tão delicado que é o nascimento de um bebê prematuro.

A consequência disso? Tenho outros dois irmãos, mais novos, que nasceram no período normal. Eu cresci bem, saudável, sou mãe de uma menininha linda, hoje com 6 anos. Tenho 32 anos e sou psicóloga de crianças e adolescentes. Amo o meu trabalho e a minha família e defendo ativamente a importância de uma gravidez tranquila, da atenção ao bebê recém-nascido (especialmente prematuro) e sua família, da licença maternidade de 6 meses, do investimento especial nos cuidados na primeira infância e da importância das vinculações afetivas e da família e da comunidade como colaboradores no desenvolvimento infantil.

Acredito que essa experiência intensa de ter sido prematura foi fundamental para a minha formação, para o sentido que eu dou à minha vida e para o sentido que a minha existência teve e tem na vida dessas pessoas tão maravilhosas que tenho a sorte de ter ao meu lado.

Christiane Kanzler B. Nunes
http://www.kanzlermelo.com

Em 20 dias...

Em cerca de 20 dias de blog, conseguimos algumas boas adesões:

  • 7 profissionais, sendo 5 médicos, 1 psicóloga e 1 fonoaudióloga.
  • 3 sites, todos voltados para o mundo infantil/familiar, editados por profissionais.

Sinceramente, estou um pouco decepcionado.

Não consegui um espaço de divulgação, ainda, em jornais, revistas ou outras mídias. Não consegui que uma mãe apenas escrevesse um testemunho de encorajamento a outras famílias ou da importância do respeito a este ser humano tão frágil. Não consegui uma única empresa (e digo mesmo maternidade) que se interessasse pela Declaração dos Direitos Universais do Bebê Prematuro - nem como peça de marketing (será que são incapazes de incorporar esse respeito pela vida humana?).

Não se trata de IBOPE nem de sucesso, trata-se de espalhar uma mensagem gratuita e graciosa cujo objetivo é assegurar o compromisso social de respeito ao recém-nascido prematuro e sua "família-prematura".

Você pode me ajudar? Que contatos você tem? Com quem você pode falar?

Um abraço,
Andre Bressan.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

A mãe de UTI

Seguramente uma das minorias mais negligenciadas da história dos serviços de saúde no mundo inteiro através dos séculos.

A mãe de UTI.

A que gerou um filho e viu-se forçada a entregar compulsoriamente seu bebe para estranhos que se autodenominaram cuidadores, que desenvolveram as próprias regras deste cuidado e que afastaram intencionalmente a mãe do processo de cura como se ela fosse um objeto desprezível e dispensável.

A mãe de UTI.

Para as outras minorias do planeta muitos movimentos e muitas mobilizações se articulam em sua defesa.

Os negros tem seu próprio movimento.

Os homossexuais suas manifestações de orgulho.

Os índios suas fundações nacionais.

Os cegos seus institutos.

Os quilombolas, os assentados, os sem terra...

Parece que para cada canto de terra habitada onde existe uma minoria social ou de credos ou de modus vivendi foi criado um movimento de defesa dessa minoria...

A mãe de UTI não.

Sequer os tratados de neonatologia se recordam dela.

Da sua dor.

Da sua dificuldade de deambular.

Da tormenta que confunde seu coração com o tecnicismo da informação medica sobre a saúde e os cuidados oferecidos a seu filho internado.

Como as outras minorias da história da vida, a mãe de UTI não tem possibilidade de se juntar às outras mães de UTI para discutir e defender seus direitos e suas necessidades de atenção e acolhimento.

Está fraca.

Está sem seu filho.

Está esmagada sob normas rigidas ditadas ditatorialmente pelo trator cuidador.

Esta exilada dentro de seu próprio coração.

O mundo em volta não a pertence.

Transferiu sua vida para a vida de seu filho numa transfusão sem comparativos na história do sentimento humano.

A mãe de UTI.

Ignorada pelos livros de medicina.

Negligenciada por grande parte dos profissionais de saúde.

Esquecida de quase todos.

Em Campos, minha cidade, 20% das gravidas são adolescentes.

10% são mães de bebes prematuros.

Quantas são as mães de UTI de minha cidade?

Quantas são as mães de UTI do Brasil?

E do mundo?

Quantas andam que distancia, durante quanto tempo, com que freqüência e sob que condições físicas e alimentares para estarem (por quanto tempo) com seu filho?

Quem é capaz de medir sua dor quando não há saturimetro para a dor materna?

Quem é capaz de dosar o seu medo quando não há densínometro para o temor materno?

E quem se importa com isso?

Quem cuida dela?

Quem dá à lagrima da mãe ou ao aperto em seu coração a mesma importância que dá à queda acentuada e súbita do hematócrito do bebe?

Que profissional tem aprendido a dar um abraço com a mesma presteza e eficiência que aprendeu a prescrever um fármaco?

Porque se desrespeita tanto o coração de uma mãe de UTI?

Quem se mobiliza por um cantinho para acolhe-la e cuidar dela?

Uma grande mãe canguru para acolher mães de UTI em seu colo e alimenta-las com as mesmas doses de amor, calor e leite materno que curam seus filhos da dor e do isolamento e os preparam para a vida?

É necessário proteger essa mãe.

Essa minoria negligenciada é necessário que seja cuidada com respeito e carinho.

É fundamental que pipoquem Leis do Prematuro pelo país afora da mesma forma como ela já está quase nascendo em minha cidade de Campos.

É necessário que sejam criadas Casas de Apoio às Mães de UTI pelo Brasil afora.

É necessário pensar essas mães.

Retira-las do isolamento para onde a tecnocracia as exilou.

Traze-las para a vida.

Cuidar delas.

Abraça-las.

Porque se o coração de uma mãe é capaz de amar integralmente seu filho, o coração de uma mãe de UTI é repouso para a humanidade inteira.

Com carinho
Luis Tavares.

Pediatra.
Campos dos Goytacazes, RJ.